Pra começo de conversa, A Baleia não é um filme para qualquer pessoa assistir em qualquer momento. Não se trata de um filme ruim (pelo contrário até!), contudo a trama, que dialoga com a gordofobia, fanatismo religioso e crueldade humana, pode mexer com as emoções dos mais sensíveis e, sendo assim, há que se ter certa cautela. Temos em cena Charlie, divorciado, pai de uma filha, professor universitário (ministra aulas online, visto que seus 270 quilos não permitem locomoção), homossexual e obeso mórbido, que passa seus dias dentro de casa, dependente da ajuda de sua amiga Liz, que é enfermeira, não somente nos cuidados com sua saúde, mas também, para atividades comuns do cotidiano.
O filme se desenrola totalmente no apartamento de Charlie, sendo a maior parte das cenas desenvolvidas na sala, o que transforma os demais cômodos em coadjuvantes na cenografia. A atmosfera no ambiente não é das melhores: pouca iluminação, pouco espaço e desorganização, o que pode representar monotonia para alguns espectadores ou, até mesmo, claustrofobia. No entanto, um olhar mais atento para esta escolha tira o espectador de seu lugar comum e o lança diretamente ao lugar de Charlie: quase estático, limitado, impossibilitado de ir além. A chuva incessante do lado de fora e que só para em determinado momento (preste atenção neste fato ao assistir, e ele fará sentido) é ponto alto na atmosfera psicológica do protagonista e não pode ser deixada de lado (apesar de eu não ter lido qualquer associação ao fato).
Em se tratando de comportamentos, Charlie, que já desistiu de viver, consegue ser excessivamente pessimista naquilo que concerne à sua vida e saúde, e otimista ao extremo quando as questões envolvem as demais pessoas. Percebemos no decorrer da trama que a obesidade é resultado de depressão desenvolvida após uma morte significativa na vida de Charlie, que o leva ao luto e a culpa, fazendo com que ele se tranque em seu próprio mundo se entregue ao hábito de se alimentar desmedidamente. Em paralelo, o arrependimento por ações do passado endossam este comportamento e favorecem ainda mais o isolamento de Charlie. A culpa do personagem é ressaltada por diversas vezes, e de tanto vê-lo desculpar-se em muitas cenas, ficou a impressão de que ele se culpa até mesmo por viver. (“Desculpe-me por sempre achar que estou morrendo.” – Charlie)
Trechos da narrativa de Moby Dick fazem conexão com um momento específico do passado de Charlie, repetidos por diversas vezes durante o filme e explicado ao final deste, de forma que aquilo que inicialmente parece apenas uma metáfora, faz todo sentido quando chegamos ao seu desfecho.
Sobre as questões exploradas na trama, além de toda a conduta de autodestruição do protagonista, temos também a revolta de Ellie, sua filha abandonada aos oito anos de idade, cujo comportamento crueldade com as pessoas destaca-se. Cabe a reflexão de que os atos de Charlie envolveram não somente sua vida, mas trouxeram resultados também para a sua filha, no entanto, até onde alguém pode ser realmente responsável pela crueldade do outro? E Charlie sequer consegue perceber tal crueldade… (“Você é perfeita. E será feliz. Você se importa com as pessoas…” – Charlie)
Há enfoque religioso através de Thomas, um personagem que bate à porta do apartamento de Charlie a ao tomar conhecimento de sua situação, acredita poder usar a palavra de Jesus para salvar Charlie, o que mais adiante nos leva inclusive ao questionamento sobre a seriedade de religiões e seitas. (“Deus me trouxe aqui por alguma razão.” – Thomas)
Outra questão que salta aos olhos e chega a incomodar é o vício desenfreado do protagonista com a comida. Charlie come descompassadamente. As entregas noturnas de um restaurante são constantes, no entanto não há contato de Charlie com o entregador, cuja curiosidade em relação ao seu cliente é explícita durante a narrativa. Em determinado momento, Charlie não consegue mais comer, mas ainda assim ele come, come muito, como se aquilo fosse também uma despedida.
Li uma única frase em uma crítica sobre A Baleia que chamou minha atenção: “Ainda sobre o Oscar de A Baleia: filme evitável, Oscar inevitável.” Concordo e, ao mesmo tempo, não concordo com ela. O Oscar levado por Brandon Fraser é incontestável e inquestionável realmente, sua interpretação foi magistral. Sobre o filme ser evitável e por mais que a afirmativa esteja relacionada à sua produção e aos excessos que se destacam, todos eles são, não é mesmo? Basta não assistir. O que justifica esta afirmativa é o tratamento considerado preconceituoso, grotesco e minimizado dado à obesidade sob a ótica de alguns críticos. Contudo, há alguns temas que se abordados com leveza não levam aos reais objetivos. Às vezes é necessário chocar pra sair do lugar comum e obter resultados.
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Ficha Técnica
Título original: The Whale
Produção: 2022
Direção: Darren Aronofsky
Gênero: Drama
Sinopse: Isolado do restante do mundo, um homem com mais de 200 quilos (Brendan Fraser) tenta se reconectar com sua filha distante enquanto lentamente se alimenta até a morte.